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O parque – por Carlos Drummond de Andrade

Correio da Manhã, 31.7.1964 / Biblioteca Nacional

Correio da Manhã, 31.7.1964 / Biblioteca Nacional

1º Caderno, Imagens imprevistas
O parque
C.D.A

Quando me telefonaram dizendo que fosse ver na exibição especial o filme dos meninos de Jacarepaguá, tomei a coisa na brincadeira e prometi a mim mesmo não ir: já brincamos tanto, em tantos assuntos sérios, por que brincar também de cinema?

Então o filme, de sabido, apareceu lá em casa, levado pela televisão, e fez-se assistir durante 15 minutos e 37 segundos. Não contei no relógio esse tempo, que dá para a gente bocejar muito, e vira eternidade se uma coisa nos entedia. O jornal é o que marcou o período de projeção, pois na realidade, vendo se sucederem as imagens de O Parque, fui sendo conquistado pelo que via, e o tempo que senti passar foi o tempo emocional e humano da história do filme.

História bem simples, saída da imaginação de uma garota de 15 anos, mas que daria um conto admirável de Marques Rebelo, uma grande página de Rachel de Queiroz ou de algum outro mestre literário. Um menino vê chegar o parque de diversões e não tem dinheiro para frequentá-lo. Faz tudo por obter uns cobres; vai a ponto de vender o seu passarinho de estimação. Quando se aproxima do local, com o dinheiro no bolso, o parque já foi desmontado. Só lhe resta olhar com melancolia as marcas das estacas no chão, os cavalos do carrossel jogados em terra e o triste montinho de notas que não servirão para nada. Perdeu o passarinho e não teve o parque.

O filme… Para avaliar o filme é preciso saber como nasceu e foi feito. Uma professora inteligente, Maria José Alvarez, reparou no interesse pedagógico de ensinar um pouco de cinema a seus alunos do Colégio Estadual Brigadeiro Schorcht. O cinema é hoje uma parte da vida de todos nós. Levá-lo à escola, não apenas para ser contemplado, mas para ser vivido, é despertar estímulos, criar espírito de colaboração, entusiasmar, dinamizar. E foi o que aconteceu. Um curso experimental de cinema foi dado por três meses por profissionais. A equipe de alunos discutiu argumentos, compôs roteiro técnico, estabeleceu plano de produção, selecionou intérpretes. A filmagem aconteceu nas férias de julho do ano passado, a céu aberto, nas estradas e ruas de Jacarepaguá. O ator principal é um garoto de 11 anos. O diretor de fotografia tem 17. O desenho de apresentação é de uma garota de 15. Os atores trabalham também na parte técnica. E o filme, sem intuito comercial, é claro, e sem pretensão de obra de arte, é uma dessas felizes criações do talento natural a que não faltou vontade de aprender e de fazer mostrando o que se pode esperar da juventude em imaginação e trabalho, em poesia aplicada à vida.

Porque é um ato de poesia, O Parque, e vê-lo é ter contato com algo de puro e de vivo, que quer manifestar-se, e que o consegue através do caminho mais imprevisto; crianças fazendo cinema, com seriedade e intuição, com sensibilidade e poder de comover-nos. O menino que não entrou no parque entra em nossa alma.

Publicado no jornal Correio da Manhã, em 31 de julho de 1964 / Biblioteca Nacional

  2014  /  Blog  /  Última atualização dezembro 17, 2014 por Mariana Newlands  /  Tags:, , , , , , ,