1º Caderno, Imagens perguntadeiras
Mobilidade
C.D.A
— Dá licença? O cavalheiro permite que eu roube dois minutos de seu precioso tempo? Quer colaborar conosco no censo de mobilidade? Não se molesta se eu lhe fizer umas perguntinhas ligeiras? Vai responder, pois não? Bem, a que hora o amigo sai de casa? Todos os dias úteis? Ah, depende da noite anterior? Compreendo, mas sai almoçado? Tem carro, não tem? Onde é a garagem? Quantos minutos até lá para pegá-lo? Se ele está no conserto, toma táxi, é lógico? Mas em que ponto? E vai para onde, pode-se saber? Sempre à mesma hora? Qual, precisamente? Sozinho? Dá carona, no percurso? Onde costuma acontecer isso? Uma pessoa só, mais de uma, como é? Costuma desviar o rumo para ser gentil? Quanto tempo leva na viagem normal? Na cidade, onde estaciona? De lá ao escritório, quantos minutos? Tanto assim? Em que rua fica esse edifício? E o andar, qual é? A que hora interrompe para o almoço? Desce para almoçar? O restaurante fica onde? Sempre o mesmo, ou gosta de variar? Sozinho, é? De ordinário, quantas pessoas, hein? E demora muito? Duas horas? Depois do almoço, dá uma volta? Por onde? A que hora está outra vez no trabalho? E seu lanche, quando é? Lá em cima, mesmo? Quanto tempo leva isso, em minutos? Costuma descer outras vezes, durante a jornada de trabalho? Para fazer o quê, hein? Sozinho? Ah, sim, lojas de que ruas? Demora muito? E o banco, onde é? Outros escritórios também? No mesmo perímetro, é? Pode cronometrar essas atividades externas? Digamos, aproximadamente? Nesses casos, o senhor ainda volta ao escritório, ou? Há outras interrupções de ritmo, que obriguem a deslocamento de sua pessoa? Outras, sei lá? Fecha a que hora, meu amigo? Sempre, sempre? Nada de serão? Mesmo em ocasião de balanço? Balanço no sentido verdadeiro, é claro, esta é boazinha, não? Resumindo, acabado o serviço, vai direto ao carro, provavelmente? Já sei, passa talvez no bar? Onde é que fica isso? Sozinho, desta vez? Mas é questão de muito tempo? Da lá segue para onde, meu caro? Não ouvi bem, pode fazer o obséquio de repetir? Coisa de meia, uma hora no máximo? Como? Nem perto nem longe? Depois, quantos minutos até o ponto de estacionamento? Ah, já estava no carro? Será que temos de refazer esta parte do roteiro para ficar mais claro? Acha que não precisa? Bem, e daí? Direto pra casa, adivinhei? Em quanto tempo? Aproveita para passar a essa hora no posto de gasolina, é? A que altura? Mas então, a que hora consegue chegar em casa? Digamos, no mais tardar? Guardou o carro em que fração de tempo? O jantar é servido sempre à mesma hora? Qual? Depois, vê televisão com a família ou sai pro cinema? Sozinho? É no bairro ou vai onde tiver um bom lançamento por aí? No seu carro, num de praça, ou de um amigo? Mesma sessão, sempre? Duas, três vezes por semana? Só? E boate? Sozinho não, era o que faltava? A mesma boate, ou “estica” em outras? Em que ruas? Qual o tempo de permanência habitual? E quantas vezes por mês, felizardo? Será que me esqueci de algum detalhe, alguma faixa de seu dia que… Não pode me ajudar, lembrando? Bem, vamos agora ao seu fim de semana? Quais os movimentos do meu amigo, a partir da hora em que põe o pé na rua, no sábado? Hein? Que é isso? Está se sentido mal? Aborrecido comigo? Porventura acha que fui indiscreto, eu que tive o maior cuidado em não lhe perguntar o que quer que fosse de sua vida particular? Não, isso não, espera lá, não precisa me dar bolacha, eu saio imediatamente, até logo, socorro, socorro!
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Publicado no jornal Correio da Manhã, em 21 de outubro de 1964