Thomaz Farkas é tanto um dos grandes expoentes da fotografia moderna no Brasil como também um nome fundamental para o cinema documentário brasileiro.
Nascido em Budapeste, Hungria, em 1924, chega com a família em São Paulo no ano de 1930. Em 1932, com apenas oito anos de idade, Farkas ganha de seu pai a primeira câmera fotográfica. Durante os dez anos seguintes, realiza imagens da cidade em constantes incursões fotográficas e, em alguns casos, também cinematográficas. A qualidade dessas imagens iniciais deve-se à sua imersão precoce no universo da fotografia em função da atividade comercial da família nesse ramo, como sócios da Fotoptica, uma das empresas pioneiras na comercialização de equipamentos e produtos fotográficos e cinematográficos no Brasil.
As primeiras séries fotográficas autorais de Thomaz Farkas estão associadas ao seu ingresso no Foto Cine Clube Bandeirante em 1942, aos 18 anos. Predominam a partir desse momento suas fotografias de forte viés formal e abstrato, baseadas em construções de luz e sombra a partir da paisagem, da arquitetura, de objetos ou naturezas-mortas, além de imagens marinhas registrando a água e a luz por ela refletida em suas constantes mutações de forma. Os trabalhos de Farkas, em conjunto com fotógrafos atuantes no FCCB, como Geraldo de Barros, German Lorca e outros, constituem-se na vertente formadora da fotografia moderna brasileira. Afinados com as vanguardas europeias e norte-americanas, seus integrantes buscavam uma estética específica, com novos enquadramentos e pontos de vista inusitados. Muitas das fotos de Farkas desse período resultam em abstrações geométricas que prenunciam o construtivismo que vigoraria na década seguinte nas artes plásticas no país. Realiza em 1949 sua exposição individual Estudos fotográficos, no Museu de Arte Moderna de São Paulo.
É nesse período também que seus interesses se ampliam e sua fotografia se volta para uma visão mais humanista, através de uma abordagem mais próxima do fotojornalismo e da fotografia documental. Esta visão passa a interagir com seus interesses estéticos e formais, como, por exemplo, nas séries de imagens sobre o Rio de Janeiro que incorporam o retrato e a vida dos moradores de bairros populares e regiões do centro histórico da então capital federal. A linguagem que utiliza no final dos anos 1950 nas séries fotográficas sobre a construção de Brasília, notadamente naquelas sobre os trabalhadores candangos e as cidades satélites, alinhada com o fotojornalismo e a fotografia documental, já aponta claramente para os trabalhos que realizaria durante a década de 1960 na produção da Caravana Farkas, de documentários cinematográficos sobre o Brasil profundo, todos trabalhos de forte vertente humanista e claro engajamento social.
No ano de 1964, Farkas dá início à produção de quatro documentários fundamentais na cinematografia brasileira: Memórias do cangaço, Nossa escola de samba, Subterrâneos do futebol e Viramundo. Sendo todos documentários que trabalham com questões essenciais da cultura brasileira, é em Viramundo que o tema da migração interna do Brasil, com a chegada de centenas de milhares de nordestinos nos anos 1950 e 1960 à capital paulista para ocupar as vagas de trabalho de menor qualificação na construção civil e na indústria, será detalhadamente abordado. Incluem-se aí as questões associadas às múltiplas manifestações religiosas que florescem no espaço urbano, fruto das próprias contradições desse processo de desenraizamento associado à urbanização e à industrialização brasileira do pós-guerra, matriz dos conflitos sociais e políticos que levaram ao golpe de 1964. Neste sentido, Viramundo é um documento de época essencial para a compreensão do país naquele momento, tanto em sua forma acabada de documentário cinematográfico como também nas imagens fotográficas produzidas por Farkas e equipe durante as filmagens, que ampliam a compreensão do momento e de seus agentes.
A iniciativa de Farkas de produzir essa série de documentários com recursos próprios – em associação com diversos diretores que iniciaram com ele naquele momento suas trajetórias dentro do cinema documentário brasileiro e inclusive dentro do próprio Cinema Novo –, posteriormente denominada de Caravana Farkas, revela sua transformação pessoal como artista em direção a um desenvolvimento de linguagens em torno do documental e das comunicações.
É, portanto, exatamente na síntese que faz ao longo de sua vida das vertentes formais e humanistas de sua obra fotográfica e cinematográfica, mediada por sua personalidade sempre sensível, afetiva e sinceramente preocupada pela condição do outro e também do país que adotou, que reside a contribuição de Thomaz Farkas para a arte brasileira.
Sergio Burgi é coordenador de fotografia do Instituto Moreira Salles.