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Mobilidade – por Carlos Drummond de Andrade

Correio da Manhã, 21.10.1964 / Biblioteca Nacional

Correio da Manhã, 21.10.1964 / Biblioteca Nacional

1º Caderno, Imagens perguntadeiras
Mobilidade
C.D.A

— Dá licença? O cava­lheiro permite que eu rou­be dois minutos de seu pre­cioso tempo? Quer colabo­rar conosco no censo de mobilidade? Não se molesta se eu lhe fizer umas per­guntinhas ligeiras? Vai res­ponder, pois não? Bem, a que hora o amigo sai de casa? Todos os dias úteis? Ah, depende da noite anterior? Compreendo, mas sai almoçado? Tem carro, não tem? Onde é a garagem? Quantos minutos até lá pa­ra pegá-lo? Se ele está no conserto, toma táxi, é ló­gico? Mas em que ponto? E vai para onde, pode-se saber? Sempre à mesma ho­ra? Qual, precisamente? Sozinho? Dá carona, no percurso? Onde costuma acontecer isso? Uma pessoa só, mais de uma, como é? Costuma desviar o rumo para ser gentil? Quanto tempo leva na viagem nor­mal? Na cidade, onde estaciona? De lá ao escritó­rio, quantos minutos? Tan­to assim? Em que rua fica esse edifício? E o andar, qual é? A que hora inter­rompe para o almoço? Des­ce para almoçar? O restau­rante fica onde? Sempre o mesmo, ou gosta de variar? Sozinho, é? De ordinário, quantas pessoas, hein? E demora muito? Duas horas? Depois do almoço, dá uma volta? Por onde? A que hora está outra vez no tra­balho? E seu lanche, quando é? Lá em cima, mesmo? Quanto tempo leva isso, em minutos? Costuma descer outras vezes, durante a jor­nada de trabalho? Para fa­zer o quê, hein? Sozinho? Ah, sim, lojas de que ruas? Demora muito? E o banco, onde é? Outros escritórios também? No mesmo perí­metro, é? Pode cronometrar essas atividades externas? Digamos, aproximadamen­te? Nesses casos, o senhor ainda volta ao escritório, ou? Há outras interrupções de ritmo, que obriguem a deslocamento de sua pes­soa? Outras, sei lá? Fecha a que hora, meu amigo? Sempre, sempre? Nada de serão? Mesmo em ocasião de balanço? Balanço no sentido verdadeiro, é claro, esta é boazinha, não? Resumindo, acabado o serviço, vai direto ao carro, provavelmente? Já sei, passa talvez no bar? Onde é que fica isso? Sozinho, desta vez? Mas é questão de mui­to tempo? Da lá segue pa­ra onde, meu caro? Não ou­vi bem, pode fazer o obsé­quio de repetir? Coisa de meia, uma hora no má­ximo? Como? Nem per­to nem longe? Depois, quantos minutos até o pon­to de estacionamento? Ah, já estava no carro? Será que temos de refazer esta parte do roteiro para ficar mais claro? Acha que não precisa? Bem, e daí? Dire­to pra casa, adivinhei? Em quanto tempo? Aproveita para passar a essa hora no posto de gasolina, é? A que altura? Mas então, a que hora consegue chegar em casa? Digamos, no mais tardar? Guardou o carro em que fração de tempo? O jantar é servido sempre à mesma hora? Qual? Depois, vê televisão com a família ou sai pro cinema? Sozinho? É no bairro ou vai onde tiver um bom lançamento por aí? No seu carro, num de praça, ou de um amigo? Mesma ses­são, sempre? Duas, três vezes por semana? Só? E boa­te? Sozinho não, era o que faltava? A mesma boate, ou “estica” em outras? Em que ruas? Qual o tempo de per­manência habitual? E quan­tas vezes por mês, felizar­do? Será que me esqueci de algum detalhe, alguma faixa de seu dia que… Não pode me ajudar, lembran­do? Bem, vamos agora ao seu fim de semana? Quais os movimentos do meu amigo, a partir da hora em que põe o pé na rua, no sábado? Hein? Que é isso? Está se sentido mal? Abor­recido comigo? Porventura acha que fui indiscreto, eu que tive o maior cuidado em não lhe perguntar o que quer que fosse de sua vida particular? Não, isso não, espera lá, não precisa me dar bolacha, eu saio ime­diatamente, até logo, socor­ro, socorro!


Publicado no jornal Correio da Manhã, em 21 de outubro de 1964

  2014  /  Blog  /  Última atualização dezembro 17, 2014 por Mariana Newlands  /  Tags:, , ,